Por Barbara Dias e Jean-François Deluchey
O símbolo do fascismo, que vem do latim “fasces”, representa o feixe usado pelos lictores romanos para significar o seu poder de constranger, torturar e punir de morte os inimigos de Roma. O feixe fascista simboliza a vontade de reunir os indivíduos para fazê-los caber, através da força, no mesmo conjunto, e transformá-los em uma arma a serviço de uma vontade única. É o símbolo de uma unicidade buscando adestrar a pluralidade.
Enquanto fenômeno histórico, vale lembrar que o fascismo veio da emergência de um ideário totalitário nos anos 20 e 30, que nasceu em resposta ao crescimento do movimento operário e da Revolução Socialista empreendida na URSS e nos países europeus. Surgiu sobretudo na Itália de Mussolini e na Alemanha nazista, mas também no Japão, na Espanha e em Portugal, como resultado do cenário do pós Primeira Guerra, e levando, por sua vez, à precipitação da Segunda Guerra. Esses movimentos se apoiavam num discurso de unidade excludente (nacional e/ou racial), num Estado ditatorial centralizado, militarizado, interventor e controlador de todos os aspectos da vida social e política.
Neste sentido, não pode existir fascismo de esquerda, são expressões antitéticas. A ideologia de esquerda luta necessariamente por um projeto inclusivo e pluralista. A esquerda, na história, sempre lutou pela liberdade contra a exploração e a escravidão, pelo universalismo contra o nacionalismo e o imperialismo, e sempre lutou pela emancipação contra o colonialismo e o racismo.
Aqui é importante fugir da caricatura (criada pelo liberalismo) de que a esquerda luta pelo apagamento das diferenças. Na verdade, a esquerda luta pela expressão livre de todas as singularidades, e acredita que a liberdade apenas possa ser experimentada através da igualdade. Todo regime que defende a liberdade sem igualdade esconde a opressão.
Como disse Michel Foucault no texto “Anti-Édipo: uma introdução a uma vida não fascista”, o fascismo é nosso inimigo maior, e “não apenas o fascismo histórico de Hitler e de Mussolini – que soube tão bem mobilizar e utilizar o desejo das massas – mas também o fascismo que está em todos nós, que assombra nossos espíritos e nossas condutas cotidianas, o fascismo que nos faz amar o poder, desejar esta coisa mesma que nos domina e nos explora”.
O fascismo é o oposto da democracia. Ele atenta à expressão da multiplicidade de vozes na arena pública (pólis), reduzindo-a em unicidade. No regime militar brasileiro, o governo militar dizia representar a vontade una da Nação, como se existisse uma só vontade e uma só Nação. A rigor, o próprio conceito de nação é fascista. Por isto os bolsonaristas e golpistas deste País se enroscam na bandeira brasileira, e a reivindicam como sua própria: para um fascista só existe uma razão, uma vontade, uma forma de ser e, evidentemente, essas são as que ele diz representar e defender.
Muitas vezes, o fascista tenta legitimar seu projeto de apagamento das diferenças a partir de um discurso sobre a corrupção do presente e a urgência da restauração de um passado idealizado, que nunca existiu. No discurso fascista, alguém corrompeu o paraíso na terra, o qual só poderá voltar a existir depois que os corruptores tiverem sido neutralizados ou eliminados.
O que é fundamental para o desenvolvimento do ideário fascista é que se imponha uma única visão do mundo. Mundo este que deve ser guiado por um padrão moral uniformizador que nega a diversidade social, representada em várias expressões de família, de amor, de vida. O fascista enxerga a sociedade sob o ângulo da normalização: ou você é normal, um “cidadão de bem”, ou você deve ser eliminado por ser um “marginal”, um “inútil”, um “parasita” ou, como está na moda, um “esquerdopata”.
O fascista acredita que o mundo é naturalmente hierarquizado e qualquer crítica a essa postura é vista como heresia. Ele busca apresentar as diferenças sociais e as desigualdades como naturais. Daí que para um fascista é insuportável qualquer proposta de miscigenação racial, de pluralidade sexual, e que homem e mulher possam ter a mesma respeitabilidade. A pluralidade para o fascista não é uma opção, é uma doença social a ser erradicada, em relação à qual ele propõe um remédio, uma limpeza social.
No campo das emoções, o regime habitual do fascismo é o da insegurança e do medo de “si” que é projetado no outro. O fascista é antes de tudo alguém que acredita merecer naturalmente muito mais do que a sociedade lhe proporciona. A sua frustração, muitas vezes, se refugia numa religiosidade falsa na qual ele tira a ideia de sua própria pureza face à sujeira do mundo social.
Contra qualquer obra de emancipação democrática e pluralista, o fascista defende a “moral” enquanto espaço de homogeneidade, de paz e de harmonia. Emprega, por esta razão, uma linguagem prenhe de metáforas sobre sujeira, podridão, doença e fraqueza. Deve-se desconfiar sempre do uso dessas palavras: sujo, perigo, risco, ameaça, crise, corrupção. Muitas vezes, elas são usadas para calar pessoas, eliminar pessoas, matar pessoas.
A política democrática, que procuramos aprofundar com experiências como a #SextadaDemocracia do movimento “Ocupar a República!” tem como objetivo lutar por uma vida não fascista. A política democrática é arena de conflito, de divergência, de negociação e de deliberação. A política democrática é emancipadora enquanto a polícia fascista é opressora, categorizadora, redutora da complexidade de nossas formas de vida.
Como nos ensinou a Trupe da Procura, a política é se olhar nos olhos. Por isso precisamos de espaços de diálogo e de convivência, para promover sempre a pluralidade das formas de vida e o respeito das diferenças. Devemos lutar pelo que temos em comum: nossa alegria, nossa diversidade, nossa sociabilidade, nossos espaços públicos.
Para aprofundar a democracia e para expulsar o fascismo, devemos Ocupar a República!